January 09, 2006


O poeta, a praia e o pianista...

"É já manhã, os pesadelos passados já morreram, já estou livre
Caminho pela praia, admiro as ondas cruéis que, ora beijam a areia com a sua frescura, ora a deixam sem cura.
Enterro os pés nessa matéria sedimentada, que nunca foi alimentada desertificou enquanto tudo floriu pois a sorte não lhe sorriu, mas a ira não teve o seu lugar, pois foi tudo tão natural que tudo seria inútil tentar e assim sorriu, parou, sorriu e ali ficou, ficou aprendendo a maneira de gostar, ficou ali sem ceder ao sulcar das minhas pegadas mas cedendo ao esmagar do tempo que como tudo e todo o diz, corrói o espaço num instante, no outro já nada existe para se saber se corroeu o espaço o tempo, ou se foi o tempo que morreu no espaço, num espaço curto, longo para nós sentimentais, mas foi de tal forma que ele passou enquanto pensava estendido na areia molhada que já não era a manhã, já não era aquela manhã que me veio acordar mansamente como quem explica a morte de alguém suavemente mas tão sadicamente que sinto que somos nós, só nós, mesmo nós e só assim acordo para mais sobressaltos que me levaram os sonhos sem dizer nada. Nada? Nada, nem sequer um aviso de que estava realmente vivo para mais um novo dia, que como eu acordara infeliz porque alguém lhe tirara de súbito toda a calma do mundo sem nada lhe dizer. E assim dei por mim a tocar num longo piano negro, a música que sei que sou, tocando-me nessa praia a música me tocou e me levou de novo a sonhar, que deus me ouvisse quando pedi que fosse para nunca mais acordar, sepultar assim toda a minha verdade e todo o meu existir para sempre naquela praia. Parei com a música que me levava para o suicídio e para não mais tragédia haver, lancei o piano ao mar para o nunca mais ver, troquei-o assim pelo meu saber, um poema que resume todo o meu viver e que deveria ser perfeito mas não é, bem eu tentei que ele assim o fosse mas ele não quis, mas por bem assim foi, pois se o que escrevesse fosse perfeito, o que escreveria a seguir? Fazia agora votos para que a noite chegasse finalmente junto de mim, forçando-me a regressar à casa donde nasci e assim voltar a mergulhar na tranquilidade donde saí, e esperava também que as folhas dos poemas voassem com um furacão para o fim do mundo e que o longo piano negro se afundasse num turbilhão, porquê? Porque amanhã hei-de rumar a uma nova praia, e aí fazer coisa novas. Sim porque eu sou uma música que é sempre nova e o movimento de rotação da terra traz-nos sempre novidades. E agora uma boa noite para ti, para as estrelas e para mim. "
Pedro Albuquerque Vaz

1 comment:

Lyra said...

achei..simplesmente lindo. Lindo!